"O contorno gengival é o reflexo do osso subjacente". Esta frase, publicada em diversos artigos e livros, é visualizada e repetida à exaustão todos os dias por quem trabalha no mundo da cirurgia plástica periodontal.
Quando esta dupla (gengiva/osso) não está bem, há problemas. Nesse ‘setlist’, que vai desde uma simples gengivite (sangramento) até um defeito ósseo extenso (que demanda regeneração), existe uma ‘canção nada sonora’ conhecida como recessão gengival.
Quer seja na maxila ou na mandíbula, sua origem é multifatorial: posicionamento anatômico dentário incorreto no sentido vestíbulo lingual, auto lesões provocadas por palitos de dentes e apetrechos diversos, pressão/escovação inadequada, obsessão pela limpeza interproximal com o fio dental, tensões mastigatórias, e restaurações classe V com material/contorno inadequado.
E justo na região cervical, onde o esmalte dentário é muito delicado, sujeito ao acúmulo de placa, e sua continuidade (cemento) é ainda menos capaz de resistir às agressões acima.
As recessões gengivais, além de causarem sensibilidade dentinária, têm um grande impacto na percepção estética, já que os contornos gengivais são festonados (ondulados) e suas margens se posicionam verticalmente em níveis diferentes criando o padrão estético ocidental mundialmente conhecido. Além disso, a mínima mudança nesse padrão é incomodativa e nos motiva à consulta odontológica.
Obviamente, existem diversas terapias para as recessões gengivais, mas essa ênfase nos últimos 20 anos ganhou mais força só depois que algumas revisões de literatura mostraram que o recobrimento radicular, feito com enxerto de tecido conjuntivo, poderia ser tão efetivo quanto a regeneração tecidual guiada (1-3).
Na cronologia das terapias para as recessões gengivais, a técnica de rotação do retalho (enxerto pediculado posicionado lateralmente) (4) fora introduzida em 1956, seguida pelo retalho posicionado (avançado) coronalmente (5) em 1965. Três anos depois, surgiria a ideia do enxerto de tecido mole livre com epitélio (6). Mas foi apenas em 1985 que uma solução um pouco mais conservadora seria proposta: o enxerto de tecido conjuntivo subepitelial coletado do palato, recoberto por um retalho de espessura dividida, tendo como vantagem a preservação da coloração tecidual original. (7)
Nessa linha de raciocínio, ainda teríamos o retalho em envelope (8) e depois, o retalho deslocado lateralmente (9). Entre esses dois momentos, para auxiliar na terapia, Miller introduziria sua classificação mais ampla das recessões gengivais (10), muito popular entre profissionais, porque fornecia a previsibilidade de recobrimento radicular utilizando parâmetros simples.
A tendência pela simplificação cirúrgica, evidente na combinação enxerto de tecido conjuntivo subepitelial + retalho avançado coronalmente, foi seguida em 1986, ao ser apresentada a técnica de retalho semilunar posicionado coronalmente (11), onde praticamente apenas uma incisão paralela ao contorno gengival era necessária, sem tocar nas papilas ou fazer incisões auxiliares.
Mesmo com muitos dos princípios cirúrgicos usados nesta fase sendo traduzidos para os dias atuais, a preocupação sempre residiu na interrupção da nutrição ao leito receptor, nas possíveis cicatrizes das linhas de incisão, e no volume/posicionamento das papilas interdentárias. Isto se dava especialmente com as Classificações III e IV de Miller, onde os defeitos interproximais, com imprevisibilidade de recobrimento radicular, agora também eram interpretados sob a nova ótica da tomografia computadorizada de feixe cônico, que revelava a natureza quase transparente da crista óssea e o prejuízo acarretado pela manipulação cirúrgica, mesmo cuidadosa, das papilas de tecido mole.
Ato I – Uma nova abordagem para as papilas de tecido mole
Zuchelli e De Sanctis (12) perceberam que, ao fazerem o retalho envelope convencional, parte do tecido interproximal papilar deveria ser incisado ao final do posicionamento coronal deste retalho, prejudicando a chance de recobrimento radicular. Deste ponto em diante, as incisões na área interproximal seriam obliquas e submarginais, contínuas com as incisões intrasulculares dos defeitos por recessão. Assim, as papilas, ao serem reposicionadas, ficariam no centro da área interproximal. (Figura 1). O retalho também foi alterado para o modo espessura dividida-total-dividida, comparado ao retalho somente com espessura dividida, do começo ao final de sua trajetória.
Ato II – Uma modificação valiosa quando a matriz dérmica acelular for usada
No desenvolvimento cirúrgico em conjunto com a MDA (13), a posição das incisões relaxantes foi alterada, passando das superfícies proximais do dente envolvido, para as cristas de contorno mesial e distal dos dentes adjacentes, distanciando-se da recessão, gerando um retalho mais amplo (Figura 2).
Ato III – O retalho semilunar posicionado coronalmente modificado
Esta técnica (14) também fora desenvolvida para tratar defeitos múltiplos, fato impossível na técnica original (11). Assim, entre as duas recessões gengivais vizinhas, além das incisões intrasulculares, é feita uma incisão em formato de “v” na papila mediana entre as recessões, conectando as incisões descritas, para criação de uma nova papila e o retalho avançado coronalmente (Figura 3).
Ato IV – O retalho avançado coronalmente modificado (com enxerto de tecido conjuntivo subepitelial)
Com base nas modificações já descritas (12), Carvalho et al. (15) incorporaram o ETCS, melhorando a previsibilidade de recobrimento radicular.
Ato V – O retalho avançado coronalmente (agora para defeitos isolados)
Desta vez, o retalho foi modificado em espessura (16). Ainda, a dimensão das papilas cirúrgicas seria alterada em função da forma de incisão (Figura 4).
Ato VI – A incorporação de novos modos de suturas
Além das incisões verticais serem divergentes, o retalho avançado coronalmente era fixado na JCE por uma primeira sutura em colchoeiro horizontal duplo à 2mm das pontas das papilas; em seguida, uma segunda sutura era realizada para estabilizar o conjuntivo subjacente, e finalmente suturas interrompidas aproximavam as incisões verticais de suas posições finais (17). (Figuras 5 e 6).
Ato VII – Uma nova proposta para tunelamento
No ambiente da microcirurgia periodontal (18), micro lâminas foram usadas para criação do túnel supraperiosteal e da bolsa receptora do enxerto de tecido conjuntivo subepitelial, gerando a mobilização papilar por completo. Esse complexo era deslocado totalmente por suturas em colchoeiro vertical, ancoradas na região interdentária. (Figura 7)
Ato VIII – A técnica V.I.S.T.A.
O nome pode parecer complexo (19), mas essa manobra rapidamente se tornou popular pela sua invasividade mínima. Seu princípio básico consiste na realização de um túnel subperiosteal após uma incisão vertical na média vestibular, que se estende ao sulco gengival, sem deslocamento das papilas. Uma membrana embebida em fator de crescimento poderia ser inserida nesse túnel. Outro aspecto importante: como não existe um retalho com desenho clássico e as margens coronais da dissecção devem ser avançadas além da JCE, as pontas das suturas ficam ancoradas com resina composta na porção dentária; por fim, o acesso vertical também é coaptado (Figura 8).
Ato IX - A técnica do “furo de alfinete” (PST)
Nessa abordagem (20), minimamente invasiva, é feito um furo do tamanho de uma cabeça de alfinete (Pinhole, 2-3mm horizontal), e utilizado um instrumento especial (Figura 9) desenhado para dissecar um retalho de espessura total e levantar as papilas de tecido mole.
Ato X – A técnica V.I.S.T.A modificada
Originalmente imaginada para gerenciar deficiências marginais peri-implantares (21), a técnica original foi modificada de um desenho subperiosteal para um acesso supraperiosteal e combinada com um enxerto de tecido conjuntivo (Figura 10).
Ato XI – Uma nova modificação para o retalho semilunar avançado coronalmente
Aqui, a extensão lateral e apical da incisão semilunar original foi aumentada (22). Ainda, duas incisões obliquas foram acrescentadas e suturadas na base da papila (Figura 11).
Ato XII – A técnica do túnel com espessura mista
Considerada como técnica mais conversadora (23), começando pelo desenho parcial (apical à JMG) e depois partindo para o desenho total (coronal à JMG), facilitando o descolamento, melhorando a vascularização do túnel, evitando a fenestração do túnel, sem formar cicatrizes, mantendo as papilas e a estética (Figura 12).
Ato XIII – Uma nova modificação no retalho semilunar: técnica suspensória wingspan
A proposta mais recente (24) é fazer uma incisão semilunar ampla, rebatendo-se o retalho de espessura parcial apicalmente e total coronalmente, dentro do acesso sulcular criado previamente pela tunelização. O retalho é trazido coronalmente 1mm além da JCE, e suturas verticais em colchoeiro duplo são realizadas (Figura 13).
Referências
4. Grupe J, Warren R. Repair of gingival defects by a sliding flap operation. J Periodontol 1956;27:290-295.
13. Barros RRM, Novaes Jr. AB, Grisi MFM, Sousa SLS, Taba Jr. M, Palioto DB. A 6-month comparative clinical study of a conventional and a new surgical approach for root coverage with acellular dermal matrix. J Periodontol 2004;75:1350-1356.
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