Procedimentos delicados na prática da prótese dentária - parte 1
- PAULO ROSSETTI
- 3 de mar.
- 4 min de leitura

Depois de traduzir mais de 70 livros (nem precisava tanto, mas eu gosto), ter 28 anos de profissão (nem parece que é tudo isso, menos mal ainda), e não ter visto tudo (como diz o ditado: "em prótese, passa-se uma vida trabalhando e não se vê toda a floresta"), chego à conclusão que seria melhor se o primeiro capítulo de cada livro fosse uma apresentação de todos os problemas que podem ocorrer com a especialidade em questão (a tal da prótese) e como lidar com os mesmos da maneira mais sensata possível.
Este pensamento não é único. Sejam bem-vindos e bem-vindas todos aqueles que trabalham com prótese dentária.
Parece estranho começar pelo fim? Não. Parece melhor darmos os alertas primeiro.
Um livro texto básico tem como premissa...adivinhem...ensinar o que é "básico". Perfeito. Cumpre seu propósito com maestria.
Tenho certeza que você aprendeu como fazer uma prótese dentária, seja ela unitária ou uma pequena prótese fixa de três elementos, só que nas condições mais controladas possíveis.
Resumindo? Era uma questão de "fechar o espaço" quando todos os outros elementos permaneciam inalterados (por exemplo, a dimensão vertical, o espaço intermaxilar, a estética).
Mas quando a gente começa a sair do "básico" é que entende a vastidão das situações clínicas, especialmente na prótese dentária, onde um pequeno erro na sequência de tratamento pode determinar o sucesso ou a falha, quer sejam biológicas ou mecânicas.
Entenda aqui por "falha" o aspecto que não ficou 100% para os seus olhos, mas ainda estaria dentro dos 80% aceitáveis na mente dos nossos pacientes. Nada escapa aos olhos bem treinados (o lado bom e ruim ao mesmo tempo de ser cirurgião ou cirurgiã-dentista).
Todos esses "problemas" podem ser evitados? Sim, à medida que treinarmos mais.
A seguir, três aspectos cruciais.
Obtenção da cor do dente natural, do formato dentário, e da dimensão vertical de oclusão
Mesmo que você tenha acabado de se graduar em Odontologia, consegue responder quais são os três aspectos que logo chamam a sua atenção na face e nos dentes dos pacientes? Sim.
Cor
a cor dentária natural representa um conjunto de três aspectos: o matiz, a saturação, e o brilho, não sendo possível acertar apenas um para os outros dois funcionem.
perdas dentárias unitárias são os casos mais difíceis de "acertar" na cor; seria melhor termos três elementos ausentes, por exemplo.
o recurso "fotografia" é maravilhoso e deve ser utilizado com a escala de cor adequada, acompanhado de uma foto em branco e preto, visualizado na maior tela de computador que você tiver.
contrário ao que se diz na mídia e nas redes sociais, a cor básica de um dente está na sua dentina, e não na camada de esmalte.
são os profissionais de laboratório que estão acostumados com os mapas de cores, e o que vamos receber após a sinterização das porcelanas; entretanto, não há como saber se o técnico irá "estratificar" ou apenas "maquiar" um trabalho se não requisitarmos antecipadamente ou conhecermos as limitações do espaço restaurador existente.
materiais restauradores existentes (metais, resinas) alteram a cor dentária natural e podem influenciar na cor da sua prótese; considere a substituição, clareamento, ou ambos, e aproveite para descobrir se não existe algum componente patológico (por exemplo, uma trinca assintomática ou processo de corrosão).
Formato dentário
triangular, quadrado, e ovoide são excelentes pontos de partida, mas entenda que a miscigenação cultural é ampla, especialmente no Brasil; um bom enceramento (físico, digital) traz uma perspectiva melhor.
quem entende as potencialidades da Periodontia e da Ortodontia na melhora dos formatos dentários sai na frente; em 99% das vezes, estas especialidades serão úteis em casos complexos; todo diastema pode ser fechado com resina composta, é verdade, mas nem todo fechamento basta do ponto de vista estético.
acréscimos de resina composta ou mock ups são ferramentas diagnósticas reversíveis e importantes para que seu paciente possa entender aonde você, como profissional, quer chegar; segundo, para que você saiba a quantidade certa de desgaste e como isso impactará no funcionamento biológico dentário.
fique atento ao "efeito dominó": mudanças radicais nos formatos dentários implicam em alterações nas posições das cristas de contorno, que afetarão os níveis vertical e horizontal dos zênites gengivais; esses três aspectos devem ser examinados primeiro dente por dente, e mais tarde em conjunto
a linha média na arcada dentária superior, ao contrário da linha média na arcada inferior, não aceita muito desaforo além de 1mm para esquerda ou para direita, dependendo da altura máxima da linha de sorriso.
a anatomia das áreas de contato interproximal é, na pior das hipóteses, sagrada; pequenos equívocos na extensão das ameias ou na justeza da quantidade de contato entre o dente e a prótese passam despercebidos no curto prazo, mas nunca no longo prazo; mais um motivo para colocar a movimentação ortodôntica em destaque.
já que nem todo pôntico artificial é capaz de mascarar a perda de tecido mole papilar em altura e largura, os enxertos de tecido conjuntivo também se integram ao seu arsenal idealmente no começo do plano de tratamento.
Dimensão vertical
pacientes com ausências dentárias amplas unilaterais posteriores perdem as referências musculares
a maneira pela qual você obtém a dimensão vertical não importa, e sim, se você a consegue transferir de maneira efetiva para um dispositivo de trabalho (por exemplo, o articulador semiajustável)
falando em articuladores, é necessário lembrar que os modelos de gesso pesam (ao contrário dos modelos de resina impressa 3D); assim, além de precisão, seus registros precisam de rigidez suficiente para suportar os modelos tanto na parte dentada como desdentada (rebordos) e garantir que o espaço na boca seja o mesmo no articulador
casos extensos (perdas anteriores e posteriores) precisam de jogos de provisórios até a dimensão vertical fique estável e compatível com a função oclusal e a estética que você (e seu paciente) aprovam.
contatos oclusais puntiformes e trajetórias curtas de desoclusão possíveis quando você desenvolver a sua paciência e aprender como usar papel celofane e um excelente papel de articulação (aquele que custa caro).
fraturas recorrentes nas coroas provisórias são o melhor sinal precoce para quem faz prótese dentária: ou a sua dimensão vertical está incorreta, ou a desoclusão não é efetiva, ou seu paciente tem alguma parafunção que precisa de uma placa miorrelaxante; seja um(a) bom(a) detetive.
os comandos vocais "abre" e "fecha", como o próprio nome diz, servem apenas para seu paciente "abrir" e "fechar" a boca; guiar e posicionar a arcada mandibular, gerando a melhor dimensão vertical, é tarefa sua, e mais um motivo para você se tornar um mestre em relação central especialmente nesses casos complicados.
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