Escrevi este post enquanto aguardava o momento do banho. Não por haver fila, mas porque tinha comido uma bela tigela de pipoca acompanhada de um refrigerante, enquanto assistia um dos meus filmes preferidos: The Thing (O Enigma de Outro Mundo, de 1982, dirigido por John Carpenter). Nele, uma espécie alienígena é desenterrada e passa a controlar mentalmente os corpos de um grupo de exploradores, fazendo com que se voltem uns contra os outros.
Entretanto, dei uma pausa no filme para imediatamente escovar os dentes. E outro lance passou pela minha cabeça: “as bactérias da boca não são tão inteligentes quanto os alienígenas do filme de Carpenter, mas guardam 45% de semelhança com as bactérias das nossas fezes”. Impressionante!
As nossas bactérias convivem entre si sob relações complicadas. Mas, em algum momento, havendo um desequilíbrio entre as espécies (conhecido como disbiose oral), teremos estados inflamatórios associados que podem, por exemplo, causar uma doença periodontal ou serem parte dos mecanismos do diabetes, aterosclerose e obesidade.
E para se entender a gravidade das nossas relações com as bactérias, uma revisão aponta que a disfunção erétil poderia ser 2,8 vezes mais comum em homens com doença periodontal crônica. A ponte de ligação? O estado inflamatório gastrointestinal.
Frank Zappa, famoso guitarrista e compositor, costumava cantar um trecho de sabedoria que dizia “você é o que você come”.
Nos últimos anos, a mucosa gastrointestional tem sido alvo de muitas investigações, principalmente porque uma alteração local (chama-se leaky gut) faz com que os microrganismos caiam na corrente sanguínea e causem perturbações no sistema imune e nos aspectos hormonais do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, refletindo-se em alterações no funcionamento cerebral e por consequência em nossa saúde mental.
Uma dessas patologias é a fobia social, que afeta milhares de pessoas pelo mundo. Pessoas com fobia social têm medo e ansiedade intensa, evitando contatos com outras pessoas. O apoio psiquiátrico é fundamental e deve ser iniciado logo.
Segundo a evidência mais recente, uma das respostas para a fobia social também passaria pela análise da composição intestinal.
Cientistas do Reino Unido, ao compararem a microbiota (análise 16S rRNA) das fezes de pessoas neurotípicas com pessoas diagnosticadas com fobia social, descobriram uma variação em três espécies: Bacteroides nordii, Bacteroides cellulosiyticus, e Phocaeicola massiliensi. As duas primeiras tiveram maior frequência em pessoas com fobia social.
Seguindo o procedimento científico, fezes foram coletadas destes dois grupos de pessoas, os microrganismos isolados, identificados, e inoculados em 80 ratos para observar seu comportamento social.
Os ratos contaminados com as fezes das pessoas socialmente fóbicas tiveram redução nos níveis de cortisona e na função imune (memória e ativação imune inadequadas).
Mais tarde, quando os cérebros desses ratos foram analisados, os marcadores neuro inflamatórios e a barreira hematoencefálica também estavam afetados. Além disso, os níveis de oxitocina (hormônio do prazer), localizados na região cerebral responsável pelo comportamento social, estavam significativamente reduzidos.
Boa escovação e nutrição, sempre.
E que a colaboração entre a Odontologia, Medicina e Nutrição seja cada vez maior.
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